domingo, 13 de abril de 2014

Cena # 237 - Histórias de Coimbra III.



Andei por Coimbra, em setenta e oito: eu e o Pedro dividíamos o quarto, a sebenta e as conquistas a meias.
Ocupávamos o sótão do número nove, ao fundo da ladeira das Alpenduradas. Acordado com a dona, Olinda e com o Oli, o marido metade dela, pagávamos as camas, o guarda-fatos com espelho, a mesinha e duas cadeiras, pequeno-almoço incluído: leite e café, mais duas carcaças, contadas, contavam eles, e a manteiga que deixava sobre a mesa.
Madrugavam para o trabalho e, à vez, descíamos à padaria para comprar um cabeçudo e esgotar a manteiga e o que mais houvesse.,
Na volta, para Setúbal no fim do mês, aliviávamos alguns livros de quadradinhos das malas que pressionavam o colchão e nos partiam a espinha e que vendíamos, a vinte e cinco tostões, ao trapaceiro da Paula Borba...




O Zé Morgado e o canivete detiveram-se, vidrados, no guarda-fatos: A VELHA É PUTA, esculpida na madeira,
Rico trabalho, vontade de te esganar não faltava, faltava era tempo para disfarçar até à limpeza do dia seguinte... Arrisquei o Cristo de braços estendidos, sobrava velha ora puta, emoldurei uma substituta das colunas sociais e trejurei-a
- É a minha mãe, conhece-la, dona Olinda?
- Creio tê-la visto no programa do Henrique Mendes, é bonita...

Almoço na cantina, casa à meia-noite. Foi dos ovos, ou da velha a mexer a panela com o cabo da vassoura, na cantina, corri para casa: e se um gajo corre, a pesar as cólicas.
O Pedro deixara o bolo junto à sebenta e as formigas atarefavam-se, para cima e para baixo, nos pés da mesinha. Transferi o pastel para vale de lençóis, acomodei as incansáveis criaturas e retornei à faculdade.
- Pedro, desculpa mas... hoje não te acompanho à biblioteca, dor de corno cura-se de molho, com um paracetamol no bucho...
Esperei-o horas, com a luz apagada, até que os candeeiros o projetaram rua abaixo. Bem se despiu e parecia um cão a dar à pata, com pulgas. Esticou-se ao interruptor.
- Olha como estás! - não parava de rir - Esqueceste o bolo..., A dona Olinda, vingou-se...




Fim do ano: queima-se as fitas e os últimos cartuchos.,
Na casa do Bobó, o álcool e os sapatos falaram mais alto, ricocheteados pelo teto; alguém se pendurou no candeeiro, poucas coisas resistiram de pé.
O senhorio, alertado pela vizinhança, fez uma visita surpresa...
- Malandros, malandros, até pelo teto andaram!!!









0 comentários :

Enviar um comentário

 
;