domingo, 26 de janeiro de 2014

Cena # 172 - A Professora de Português e Latim.




Finou-se a velha E., despedi-me dela, por escrito, para a Conservatória. Ab alio extectes alteri quod feceris, atirem-se a mim, não sou capaz.
Era má como as cobras, por sorte alijou-se com o Shylock da Barca do Inferno, já se queixava o baselga à Morte, não era grande ou rica mas escondia-se com os lagartos! Professora do Liceu, sentia-lhe o prazer do nove e da pedinchice, melhor que o quatro, chumbado e pronto. Foi minha professora, do Gil e do Pajó, da Isa e da Clara, do Paulo e da Paula, ele Curto, ela não, e de mais uns quantos, todos burros mas quatro a cursarem Medicina no primeiro ano de numerus clausus, bem feito, ela que adorava o Latim, e em que entraram pouco mais de duzentos no país inteiro, agora é difícil e entram mil e seiscentos. Ela era o burro do Malhadinhas, salvo seja, o recoveiro barbiteso, rei do facalhão, que damejava a prima, mais o cavalo do Barão que mais depressa se doutorou que o João da Ega, o Carlos enamorado da menina dos rouxinóis, quanto mais prima mais se arrima, tanto nome e o outro, Carlos, também, a tratar literalmente da saúde à mana Maria Eduarda, a Ilha dos Amores Trocados, certa é a Morte e o Ricardo Reis sabia-lo bem, tamanho predestinacionismo e teve que vir o outro pôr-lhe um fim em trinta e seis, muytas e muyto estranhas cousas e eu não minto, depravação nos usos e costumes, escrevia o Cesário, está-se bem no campo, salva-se o Reverendo Bonifácio.
Convocado o burro para a primeira audiência ia sempre alguém para a rua, a festanga na sala, a pandilha a rir de caga merdeira, entrecosto de carrapato enxertado em camarão, seiscentos hímens fingidos, fosse para o Inferno e ia meio mundo com a Brísida, verdade e a outra metade a esperar na fila, o borracho fanado e aborregado pelo Padre, a missa pr'ó Diabo, julgas-me Deus?, e alguém destinado a gamo, razão tem o Barão, com as pernas a cambar, Baco não é inimigo dos portugueses e as brasileiras são, mesmo, as melhores.
Setubalense e elmanista, ansiava pelas aventuras do fodaz Ribeiro, preto na cara e enorme no mangalho que arromba as paredes quando mija, ah, grande Bocage!, bebeu, comeu, fodeu sem ter dinheiro, foi ele que escreveu, é arte, é poesia e era disto que a malta queria!
Por acaso, fiz uma rima, creio-me a ganhar o jeito, a velha E., deve estar orgulhosa.








5 comentários :

Unknown disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Ana Pedro disse...

Texto delicioso... o seu. A revelar cultura, muita cultura. E a dar força à máxima que um Professor defendia: todos os bons alunos a Matemática são-no também a Português.
Fui aluna da protagonista desta sua Cena e, apesar de durante muitos anos não ter conseguido escrever "antes, pelo contrário, ...", lembro-me das suas aulas para tentar não ser como ela nas minhas. Aprendi muito rapidamente que, para ter boas notas nos testes, bastava repetir o que ouvia nas aulas. Fi-lo à custa de um "fraco", que quase me custou a reputação. Ser original traz estes desaires... Senti um gostinho especial quando o "16" que me queria dar, no final desse 7º no, foi transformado em "18", nota que precisava para dispensar. E gostei de a ter enfrentado para reivindicar o que me pertencia. Toda a turma me apoiou, apesar de mais ninguém ter conseguido a dispensa. Não gostei mais da Literatura, por ter tido essa professora. Também não deixei de gostar, felizmente. Como pessoa "que antes de ser já era", como referia relativamente ao nome, causava-me alguma pena por não conseguir gostar de si própria nem dos outros.
Por tudo isto, li o seu texto, que agradeço, com um sorriso.

Jorge Santos Forreta disse...

Obrigado, AP!
Desculpe a resposta atrasada: ser médico ocupa e preocupa-me, escrevo nos intervalos para o café...

Jorge Santos Forreta disse...

Obrigado, AP!
Desculpe a resposta atrasada: ser médico ocupa e preocupa-me, escrevo nos intervalos para o café...

Ana Pedro disse...

Estou a ler este seu comentário, em agradecimento ao meu, no dia do vosso almoço de Liceu, neste ano de 2015. E também agradeço, claro! Gostei do trocadilho: para além de escrever bem, mostra que é bom médico e, como nunca sabemos quando vamos estar doentes...
Aproveito para dizer que descobri, depois de ter escrito o comentário, que falávamos de professoras diferentes. Eu referia-me à professora Branca Palma, que também foi sua, mas não terá sido a deste texto. Enfim, nada se perde :))
Continue a dar-nos estas suas deliciosas cenas, por favor.

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