quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Cena # 115 - A Autoscopia.

- A tua cabeça gira a mil à hora! - diz-me a Leonor.
- E as pernas - lamento, - a dez...
Ocupei-me por uns tempos num eme bê á, o mal é acabar que a cachimónia precisa de alimento, por causa do Alzheimer, dizem os médicos e eles é que sabem.

À noite, o tubarão-martelo visitou-me no quarto, os leões partiram-me aos bocados, a anaconda fraturou-me as costelas, doze, que bem as contei, carneiros, isto da ansiedade encorna com um gajo e não larga.,

A primeira autoscopia decorreu no sábado: vestidos e saltos altos, laços e gravatas, e o marmanjo, ganga e nada na manga que o tema é prático,
Macaco velho, fui o primeiro, mal espreitei e  percebi a excelência dos trabalhos alheios e, pela perspicácia, um a zero! A Leonor, lindíssima, e o banho do bebé - vestidinho, banheira e cremes! - a Andreia, com a sustentabilidade ambiental e mal, só mesmo a garrafa de plástico da Cola, que bebericava à sua frente, deslizes todos  os temos, o Luís, com a preleção de mecânica que até o mulherio assimilou e diz tudo, a Verónica, desenvolta, sobre queimaduras, quase pensei que as conseguisse vender, a Maria, trazendo à memória a segregação racial, mais três ou quatro do mesmo calibre e o parvo com umas cordas compradas no Wang da cinco de outubro, a pender das mãos, vá de distribui-las rapidamente, não se partam antes de conseguirem copiar o nó que lhes proponho: cem por cento do objetivo cumprido, e como sou avaliado pelo sucesso da operação, dois a zero, melhor que não o conseguissem, era quase um nó cego e até este o fazia.
As mãos não encontravam lugar, as pernas não obedeciam e o joelho serve de desculpa, os olhos procuravam uma zona de conforto que só percebiam além da porta, tirem-me daqui, não nasci para isto, os cabelos brancos, os olhos de cherne e os papos de galinha também não ajudam à festa - olha, parece o Cocas, aquele dos Marretas! -  ou, sei lá, ajudam, sempre desviam a plateia do tema, que também não era brilhante mas, se calhar, até era por este que, supostamente, lá estavam. O marcador nos dois a zero, até às apresentações seguintes: cinco, seis, sete, às tantas perdi a conta, uma abada de onze ou doze a dois, nem fui aos penaltys e, na segunda parte, até podiam ter entrado com os suplentes!
Já me humilhara o suficiente, o visionamento era desnecessário, só serviu para melhorar a autoestima dos presentes.
A Raquel, sempre simpática:
- Não foi assim tão mal...
E a Leonor, em meu socorro:
- Para a próxima fazes melhor!
(só pode, margem de progressão não falta)

À noite, meia casa no Coliseu para o desejado concerto dos Tindersticks. Aguardava-se o 'encore'. Batia ruidosamente com os pés - nunca paras de ser miúdo! - falámos por instantes:
- Aquilo de hoje...
Desvalorizei:
- Ora, tudo tem solução: basta apagar da fita e da memória e...
(pouco depois, a música e a resposta que ansiava)
- Can we start again?

O dicionário da Porto Editora não engana, entre os possíveis significados, "Autoscopia: representação patológica da sua própria imagem".
É, deve ser isso.




2 comentários :

Unknown disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Mónica Cunha disse...

Jorge!
Não estou a perceber!!! Não falou de mim e nem da Leonor!!! Como é possível? A Leonor com aquele "ar" angelical, de quem - não me façam mal, porque eu só quero que isto termine... - e eu que desde o momento em que a Raquel disse "ação", mais parecia que me tinham ligado à fixa, desatei a ler o PowerPoint e só parei quando a Raquel me fez sinal que faltavam 2 minutos... ;-)

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