terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Cena # 1993 - Tahiti: O Paraíso Existe! (Jornal Público, suplemento Fugas, 10.05.2014)




Magalhães, desejando a acalmia do oceano, nomeou-o Pacífico. O capitão Cook, desenhou a Polinésia, a Melanésia e a Micronésia, no mapa.
Saí da Austrália a vinte e três e aterrei no Tahiti a vinte e dois, mudança de fusos, parafusos a menos e fusíveis estourados.

É verdade: o paraíso existe, criou-o Taaroa, Bougainville transmitiu-o a Rousseau e o bom homem aqui tem as suas raízes, sou mais citadino e calma já eu tenho, Jean-Jacques e retour a la nature q.b., desculpa-me, amigo iluminado.
O festival Heiva exalta a cultura Maohi. Durante três semanas, os jogos tradicionais, as corridas de cachos de bananas e a dança convulsa ao batuque dos pahu, seduzem gentes, das Marquesas às Austrais, à capital.
Predominam as cores vivas, dos frutos e das vestes, no Marché du Papeete, regateia-se o peixe e o artesanato, no piso superior. Troco dinheiro no Boulevard Pomare, percorro a marginal e admiro os cones vulcânicos, de verde, impressionista, pincelados, de Marau, Aorai e Orohema e os iates que deixam a baía. Pico numa das roulottes, falta hora e meia e sobra-me tempo no Museu Gauguin, muita reprodução e obras menores, abraço o Raivavae para o boneco da sala.

Dez milhas separam o Tahiti de Moorea, o ferry deixa-me em Vaiare.
Paro no Rotui: jamais esquecerei os penhascos e a cratera do Mauaputa, as baías de Cook e do Opunohu e a fina linha que separa as águas turquesas da lagoa do azul oceânico!
Do bangaló, suspenso da lagoa, fixo-me nos peixinhos que, erráticos, pontilham os corais e as anémonas de laranja, vermelho, verde, azul e negro,
(lembrei-me do Peixoto, vinte mil léguas à volta do aquário redondo do meu quarto, estou fora, suicidou-se)
também os há palhaços e trombetas, listados a preto e branco com a cauda amarela e, limões, tigres e do recife, esqualos que mais parecem carros desportivos, disputando a forma mais aerodinâmica, com o radiador aberto, além da barreira coraliforme...
Tubarão ao alho, a vingança serve-se fria, o camarão com leite de coco, o noni e as cordas dos ukuleles, tudo se paga em muitos CFP (Confédération Française du Pacifique), já os primeiros exploradores se queixavam, explorados, do roubo e do calor húmido!

Fazer render o peixe, poucos o fizeram como Garrett; pouco mais há a (d)escrever, resta o sol e o mergulho. Tatuagem com uma piroga, no braço esquerdo, e um lagarto amarelo, tatuado, no direito, colar de hibiscos e conchas, deitei os búzios e já me fazia ao mar, de volta na Kon-tiki, protegido de Hiro, deus dos navegadores e dos ladrões, assim como o outro, roubam-me mas não têm para onde fugir...
Thor Heyerdahl teorizou que o arquipélago fora povoado por sul-americanos e propôs-se à travessia. Problema: embonar e calafetar a jangada, alguém tinha que lá ir abaixo... Duplo problema: os tubarões que, em águas abertas e escasseando a refeição, não recusam uma delícia do mar!
Os amigos são para a ocasião, solicitaram junto da Marinha americana que lhes cedeu a milagrosa tinta.
- E funciona?!
- Desconhecemos, vocês nos dirão!...

A vida é cruel, e uma epopeia de cem dias e cinco mil milhas vale menos que um cabelo e uma zaragatoa na goela: a ciência provou que o arquipélago foi povoado por gentes e animais do sudeste asiático...







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