sexta-feira, 29 de maio de 2015

Cena # 554 - Setúbal Quatrocentista II. (Publicada na Setúbal Revista, na edição de novembro de 2017)



Foi assim sem, em trezentos e em quatrocentos, manda quem pode e a Igreja fodia: sessenta e oito dias, para não parecer mal, a ralé tergiversava ao sexo e aos enchidos, olhos que não veem e dá no mesmo,
Nos outros dias, gordos, fartar vilanagem, marchava tudo o que mexia: gamo, corço e urso (a análise aos restos alimentares, no castelo de Palmela, provou-o), o galinheiro e o poleiro, e a garça para não se pôr em bico de patas, pescada, pargo e cação, a toninha aprisionada nos acedares e a baleia, caçada nos barinéis, ostras e santolas!

Matava-se o porco em novembro, o desejado peru só apareceu com os descobrimentos; o coelho começou a ser domesticado.
Assava-se no espeto, espetava-se a panela de barro na lareira; o fogo, duramente conseguido por fricção, era frequentemente partilhado,
O peixe secava-se ao sol, como se faz, ainda hoje, na Nazaré; deliciavam-se na sardinha e no carapau na brasa, os mais afortunados, enriquecidos numa sertã, fritavam-no em azeite.
As especiarias eram inacessíveis, temperava-se com azeite, sal e com as ervas aromáticas, colhidas nos caminhos.

Jantavam antes do meio-dia, a ceia decorria à lareira: prato principal, o caldo dos legumes disponíveis, engordurado com um chisco de carne, papas com um naco de porco ou uma rodela de cebola no pão... Nas crises cerealíferas, a castanha substituía o pão e, no sul, favas contadas, importava-se o cereal, que remédio,
Para matar o bicho, o vinho pouco encorpado, bebericado em vasos, terçado: dois terços de água. Em teoria, claro,
Sangria medieval, conheciam-na, era usual acompanhar a fruta com vinho.
Conservas, havia-as para todos os gostos e, roam-se verdes de inveja, de alface!
O leite era queijo, manteiga e medicamento,

A saúde equilibrava-se nos humores hipocráticos: a bílis amarela e a água, depois bílis negra, a fleuma, escarrada ou escorrida pelo nariz, e o sangue,
Primum non noncere!: é melhor nem mexer, só em casos de exceção o físico ousava intervir nos humores,
Chás e ervas, fezes de cabra e cobra vergastada, minhocas fritas, clisteres e flebotomias, tudo servia,
A bubónica de quatrocentos e quinze, pós de texugo, em vinho, para empurrar,
Os hospitais do João Palmeiro (cujo pórtico gótico ainda existe, numa transversal à Sé), de Catarina Domingues e de Maria da Pipa não davam vazão!
Espadeiravam os físicos, galénicos ou hipocráticos; na rua, os padres de S. Francisco e de S. Domingos, insultavam-se e disputavam a esmola.
Água vai!, a imundície ajudava à rataria; em casa, a cama e a arca, que tudo guardava e servia de cama, a cama e a arca que serviam de cadeira, os bancos, repartidos, armários nem vê-los.
A mesa era dispensável. O azeite e as velas de sebo iluminavam a casa.

As crianças agrupavam-se nas brincadeiras, inventadas ao ar livre, com paus e pedras de encher o olho, o que não calhava; no verão, entretinham-se nos toscos barcos de cortiça, que lançavam aos ribeiros,
Jogava-se às cartas e aos dados, à batota nas tabulagens, à porca e ao curre-curre, à pela, precursora do ténis.
Tocados, a viola e o arrabil, com arcos, e o manicórdio. Maio era o mês do amor, entoava-se as Maias,
Jograis e soldadeiras: havia tourada,
Cavalhadas e justas. Os nobres dedicavam-se à montaria. Elas também. Eles, do javali,

Elas, ao javali, não iam: usavam fraldilha interior e, sobre a cota, o pelote que deu lugar à opa, no primeiro quartel, armada até ao pescoço, depois decotada,
Os sapatos, bicudos também, de cor igual ou cada um de sua cor, o cabelo meado e trançado, o chapéu a chegar aos noventa centímetros!

O homem medieval dormia em pelo: os que iam à montaria, do javali, talvez.
O vestuário da arraia-miúda tinha um significado prático, de burel, remendado,
Touca ou barrete feltrudo, por vezes o sombreiro, saio e gibão,
Em pé de igualdade, os borzeguins com atacadores,
No resto,

Marimbava-se na silhueta em X do burguês, trajado em tecidos de cetimcaixo, cetimrabo e cetimfio, de bom corte, bordados e tufados,
Os pés prolongavam-se em pontilhas desmesuradas, retorcidas na ponta, a ponto de serem atadas ao joelho!,
A barba era desfeita à navalha, o cabelo usava-se curto, à chamorro, como depreciativamente os castelhanos alcunhavam....

Com o tempo, bom ou mau, o gibão e o saio tornaram-se menores, tão curtos que se introduziu a braguilha: uma bolsa, presa à cintura, para acomodar o material!
O Infante D. Henrique enfiava o capeirão, no mais, desconheço: mas há quem jure que o Navegador atracava de popa e que nos Painéis da S. Vicente, está de Fora, substituído pelo irmão, D. Duarte, que ensinava a cavalgar em toda a sela...


Volto atrás: na corte enfardava-se à grande e à francesa, que não couve, que não entrava na goela real,
O Tomás e o Simão despacham verdura como coelhos,

A Feira (Medieval) esteve animada, e todos aguardavam a entrada do Rei,
Mas o Vasco, o Rei Vasco é um gato, não é herbívoro: acocorado na sanita, a quilo não saía, rei morto, rei posto, cedeu a coroa ao António e a festança continuou!



         







       

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