Cena # 1591 - A Estrada.

                                    I


Não tem veia para injetáveis e comprimidos, vá que não vão: a minha mãe recusou fazer mais quimio, sei lá se
Fez bem.




                                II


No consultório:
Imagine, doutor, que tinha a hora marcada...,
- Estava preparado?!

Preparado, sim, a vida são dois dias: tudo preparado, não,
Olhando em frente:



Conservo, na boca, as bolhinhas da Laranjina, a Figueirinha e o gelado de pau, os barquilhos da Ti Maria e a moeda de vinte e cinco tostões,
Lembro-me das notas do Liceu que não serviam no Monopólio, das farturas de feira e do Sumol laranja, do meu pai na barraca de livros,
Da bola de Nívea e dos amores de verão, das castanhas de outono. Dos Natais com o meu irmão,

Se não vi a Weihnachtsfrieden, testemunhei a queda do muro, com estes olhos que a terra há de comer: querendo, o Homem derruba-os.,
Viajei, mais para fora do que interiormente. Dei a volta ao mundo e não voltei na mesma, ao ponto de partida,
Fiz o que queria e o que não me apetecia: o mundo é kafkiano; ou fomos nós que o fizemos, Kafka., Li banda desenhada, reli Neruda:
Confesso que vivi.


Fiz o que me apeteceu: fui eu.



Dava uma festa!,
Num domingo, das doze às vinte e quatro, rodeado dos amigos e da família, e das músicas da minha vida...

       I'm a creep,
       I'm a weirdo!
       What the hell i'm doing here?
       I don't belong here: I don't belong here...

Pois não,
Fui o pai possível: ninguém é perfeito, Afinal,
Apertava e beijava os meus filhos, os três, ao mesmo tempo,
- Lembram-se do que vos segredei à nascença?...

Por vocês, roubava e ajoelhava: sou um filho da puta, não olhem para trás,
Agora
- Vão, amores: sejam livres e voem!


Sonhei a Leonor e não foi sonho.,
Merecias melhor companhia: nunca te enganei.


E à minha mãe, que acredita, e eu acredito que é a melhor mãe do mundo, mais faltava

- Esquecer-te, nunca,

:OBRIGADO por te fazeres à estrada comigo.

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