Norberto de Araújo, "Legendas de Lisboa", pág. 213.
Dos Bacalhoeiros ao Castelo, do Castelo à Graça, o empedrado íngreme e as ruas estreitas recordam a kasbah, memórias da mouraria perdida; a roupa cai dos peitoris e dos varandins, os vizinhos estendem arcos e balões, pontes de amizade, penduram manjericos.
Santo António, o boca a boca jura Bulhões e Taveiras seus pais, padroeiro de burros, cavalos e de causas perdidas, casar e fazer meninos.
Desapareceu das notas de vinte mas não desapareceu do mapa, é parte do genoma do alfacinha: as simpatias pelo milagreiro levam ao desespero, afogá-lo num copo de água com as patas de fora, demorá-lo no frigorífico, castigá-lo no congelador ou juntar um lenço de cada apaixonado e não o ver três dias, enfiá-lo debaixo da cama e vão três seguidas ao santo, escrever o nome. Com palitos, claro.
Compro uma careca à Santo António ao monhé que a conseguiu de borla, que importa, tem Graça, é dos carecas que elas mais. Três euros, adiante a Ladra, com ladrões e sem pechinchas, não há milagres, é Portugal e os trezentas anos de Santa Engrácia.
Os peixes já não vêm ao santo, euro e meio por cada sardinha mal amanhada, caímos a olhar o chão, no Beco das Pichas Murchas, queriam a fotografia e mais faltava, não viram o Santo António das Caldas bem-posto no hábito franciscano, cordel puxado e badalo bem espetado, que comprei na feira de Sant'Iago.
Já há malta a vomitar a sangria, abençoados sejam, viva Santo António, também ele canonizado pelo Papa Gregório!
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