terça-feira, 12 de março de 2019

Cena # 2044 - As 8 Escravas.


O meu pai dava tudo. E tirava tudo, no minuto seguinte.
Despachou a bica e a conversa com o Freitas da Brasileira, enfiou dois maços de Paris no bolso e correu à ourivesaria antes de subir ao consultório.
Chegou tarde para a favada com o chouriço mouro, o único pitéu que bisava. Trazia um presente para a minha irmã, as sete escravas em ouro que cobiçava e jamais ousaria pedir. Eram lindas!
(uma das escravas abrira, o ourives recebeu-a)

O Paulo não tinha o sangue na guelra, mas sempre passava algum nas carótidas, ao ponto de entregar o ouro ao bandido quando este lhe encostou o facalhão, perto de casa. A Paula lembrou a radial e engavetou as pulseiras. Meses depois, passeava com a minha mãe pela baixa, entraram na joalharia.
- Mas já a levantaram...
Mais faltava, e faltava aquela - reclamaram - trampolineiro, impostor, deveria devolvê-la!
Assim o fez:
- Para não perder o cliente...
- Claro e eu tenho um 'O' na testa, maldita falperra mais este parlapatão falinhas mansas, a afiambrar-se à argola!...


Já o escrevi, passámos mal, era o tempo da bifana e do prego: o almoço fora, a bifana na Adega dos Passarinhos, o prego, as casas de penhores da Almirante Reis e de Campo de Ourique...
O agiota olhou as escravas. Rebusnou qualquer coisa e afastou uma delas, irritado:
- Empresto quinze contos e pagam adiantados os juros. Esta é de latão, banhada numa solução dourada...
Banhada, pois.

As escravas não voltaram, não enchiam barriga. A Paula passeava, despreocupada, a argola de latão. A outra, a verdadeira, de ouro, apareceu dias depois, tão embrulhada como alguém a trouxera da ourivesaria.
Ladrão que rouba a ladrão...
Não se descoseu:
- Ora, fosse muito sério, não fazia aquilo. Nunca mais lá volto!









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