O meu sobrinho João convidou-me para um café. É um ótimo moço, o problema da minha irmã é que nunca deu problema, é interessado e, sobretudo, interessante, cultura e inteligência muito acima da média. Acomodados num botequim da Praça do Bocage, ao lado de quatro simpáticas velhotas que perfaziam quatrocentos anos de História, conversávamos e ríamos, o João tem um humor fino e poderoso. O João alertou-me para o Arco do Largo José Afonso:
- Parece que, após tanto dinheiro e polémica, vão demoli-lo...
- Acho mal! - acrescentei - aproveita-se o que se tem, enche-se de água e arrenda-se para os saltos da Red Bull. Até tem bancadas!
Despedimo-nos. Subi, a pé, a vinte e dois de dezembro e, pelo caminho, pensei e repensei propostas para a cidade:
1 - Se meter água é mesmo com a malta e até eu, há pouco, o sugeri, porque não fazê-lo, igualmente, no Largo de Jesus? Casais românticos, remando em frente ao convento, miúdos com os pés na água... Preserva-se os grafitos aí existentes e promove-se o mergulho de garrafa, como se fossem as inscrições do Foz Côa;
2 - Não há cão nem gato que não tenha ido à Tunísia e coisas ao alto, todo o bicho careta as tem! É o Colon, de dedo espetado, à entrada das Ramblas, é Lord Nelson, lá no alto, de mão enfiada no colete, em Trafalgar... É um local de passagem, as pessoas olham-nos enquanto se passeiam para outro lado. Mas não ficam. Mas, Pisa?! Nem os italianos permitiram aos japoneses endireitar a torre! Sustê-la, sim, ainda um dia cai e acaba-se a galinha dos ovos de ouro, mas colocá-la na vertical, nem pensar! Não há um camião ou trator da Câmara disponível para se encostar ao Bocage e o tombar para um dos lados? Depois, é aplicar o inclinómetro, assegurar que não vai abaixo e ainda mata alguém e chamar a televisão;
3 - A marginal, muito melhorada, é certo, quase se assemelha à Promenade des Anglais que se continua, serpeante, até Monte Carlo; sendo impossível o casino, lado a lado, com a Secil e porque já existe um, em Troia, urge construir um túnel transparente, sob o rio, e enfiar para lá uns tubarões mesmo porque os agentes que se dedicam à observação dos golfinhos, se queixam que os cetáceos nem sempre comparecem a horas;
4 - A faixa para as bicicletas revelou-se útil, pede meças a Amesterdão ou Xangai mas esqueceram-se de instruir os condutores dos veículos de quatro rodas a conduzir em duas...
5 - Saiu a feira, entrava, de imediato, o circo. Sim, o circo da fórmula um! A Luisa Tody, reúne todas as condições: tem duas faixas, uma em cada sentido e aproveita-se os bancos corridos de madeira das maratonas e das marchas. É fazê-los subir à Bela Vista e descer pelo túnel, com a rapaziada a dar vivas, empoleirados do (museu) Michel Giacometti ou, mais abaixo, junto ao gancho, a acenar com uma mão e com a outra agarrada à sande de choco;
6 - Transferir o cemitério da Nª Sra da Piedade, a terra a quem a trabalha, já escreviam os anarcas, em murais; além disso, todos os dias ai passo e julgo ouvir o S. Pedro. Finjo-me surdo... Em seu lugar, construir uma megatorre, maior que o Burj Khalifa, claro, nem eles nem a maltinha de Lisboa são mais que nós! O turista não vê necessidade de ir à capital, já a avista do topo, e, ainda, traz gente do outro lado, uns curiosos, outros furiosos pela sombra constante sobre a sua cidade;
7 - Se Lisboa tem um Zoo e Estocolmo, o Skansen, em Djurgarden, não conseguimos enfiar meia dúzia de crocodilos e de rinocerontes, no Parque do Bonfim? O Farelo até agradecia, vendia mais umas coisas, o negócio vai mal para todos e, na natureza, também se comem todos uns aos outros...
8 - Se a populaça acorre, em manada, ao Castelo da Cinderela, imitação barata de Neuschwanstein ou se nos impingem um indivíduo cadavérico a enterrar os incisivos em mulheres jovens e atraentes, porque não construir, no Forte de São Filipe, uma pista de aterragem a extraterrestres, única no mundo, ou aí residir um príncipe encantado que nunca ninguém viu mas que, rezam as crónicas... Em alternativa, implode-se aquilo tudo, meia dúzia de estacas ao alto e vende-se aos turistas, como o Partenon;
9 - São Petersburgo tem a sua Millionnaya Ulitsa (Rua dos Milionários) e o xarroco não consegue trazer os stands da Bentley e da Lamborghini para a Avenida dos Combatentes?
10 - Las Vegas não inventou nada e exibe, orgulhosa, réplicas da Torre Eiffel, o Luxor e o Venice... Há que aproveitar o cimento, dar uma pintadela e construir outro Taj Mahal, ali para os lados de São Paulo!
11 - Já não há pastores, mas, então, não se arranjam duas ou três biscas, sem história conhecida de delírios ou alucinações, a jurar terem falado com qualquer entidade divina, na Comenda e a coberto da noite e, já agora, não vá dar para o torto que os jornalistas são uns chatos, alegando a terrível maldição com a quebra da promessa, se abrissem o pio?
12 - Aproveitar a beleza do Parque Natural da Arrábida, passar imagens virtuais de veados e javalis e pôr a malta, com pistolas de paintball, a correr atrás deles;
13 - Esqueçam a caça à baleia, só permitida aos olhos rasgados porque, certamente, não as distinguem. Renasça a fábrica e o espírito da época! Se o fazem nos mais diferentes pontos do globo, vendendo histórias da carochinha, que mal tem recolocar pessoal mais velho da Câmara, barbudos e de camisa de flanela aos quadrados, a lembrar arpoadas e do tio que, ainda se lembram, a acompanhar o café com a sande de baleia, antes da faina...
14 - Impor a sardinha na bandeira e promover a Adega dos Passarinhos a Património da Humanidade!
15 - Reestruturar as fábricas da conserva, abandonadas pela Cachofarra, e imprimir notas de quinhentos para pagar aos alemães o dinheiro que se deve (ou o que eles dizem que se lhes deve)e dar-lhes mais uns trocos, que o indígena é mesmo assim, para umas cervejolas na Oktoberfest!
Por fim, um pouco de populismo, trazer o Ronaldo que o mal do Vitória são os golos, e o Sting à Toca do Pai Lopes!
Os eruditos chamar-me-ão megalómano, os outros, simplesmente, maluco. Contudo, nas últimas autárquicas também vi, em outdoors, megacruzeiros atracados ao Cais do Carvão e também não disse nada...
Telefonei ao meu sobrinho, expus-lhe as minhas ideias, incluiu-me, felizmente, no primeiro grupo... É bom rapaz, ele é mais inclusão, equidade, pleno emprego e justiça para todos, saúde e educação gratuitas, e desconfio de quem lhe enfiou essas ideias na cabeça... Ainda o adverti:
- És um utópico, João, és um utópico...
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