quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Cena # 83 - Uma História de Amor. (Publicada na Setúbal Revista, na edição de julho de 2017)


O meu irmão Paulo,

Era unha com carne com a minha mãe: a minha mãe não tinha preferências (e não tem), mas aquele era especial.,

Cúmplices, até no feitio onde imperavam a simplicidade, a simpatia e a generosidade, amigos do petisco e do convívio, despegados do material
(uma vez, eu e a minha irmã adormecemos na praia e quando os procurámos, já nos acenavam de um barco, rodeados de amigos de ocasião, segurando a mini e o chouriço na outra mão)



Há muito que se adivinhava o fim: pouco deglutia, um ou dois morangos da caixa que a minha mãe lhe levava. Passara mal na noite mas sempre dizia
- Isto está melhor.

Há dias que estava internado no IPO.
No dia seguinte era o 25 de abril, feriado de comemorar coisa nenhuma: a minha mãe apanhatia a camioneta da tarde. Lecionava, de manhã, na escola do Viso, mas,

Nesse dia, algo lhe dizia - apenas a ela! - que seria o último, o último que veria o seu menino. Largou tudo, meteu artigo, apressou-se para não perder a carreira das nove.



O meu irmão esperou-a. A noite toda. Sorriu quando a viu, a esposa, exausta, saiu por uns instantes.

Deram-se as mãos. Naqueles cinco minutos reviveram toda uma vida,
A barriga dela a crescer e os seus pontapés marotos, ele a reconhecer as nossas vozes (quando a ouvia, o coração palpitava), sentia, outra vez, a minha irmã, que espreitava do casulinho ao lado, metendo-se com ele,
Recordou o parto e o momento em que mãe e filho se olharam e tocaram pela primeira vez.

Agradeceram-se mutuamente e sabiam que já não festejariam o seu aniversário, a escassos dias,
Depois..., veio a espiral daqueles trinta e três anos, num vórtice de segundos.

Morreu, da mesma forma que nasceu: ela envolvendo-lhe docemente o pescoço, enquanto a outra mão lhe acariciava o cabelo, e ele, em paz, a olhá-la ternamente...





5 comentários :

Anónimo disse...

Abençoados sejam aqueles que sentem (...)

Unknown disse...

Sensibilidade...

Anónimo disse...

Muito emocionante e comovente!...Inevitavelmente, a lágrima despoleta!...

Unknown disse...

Tanto amor e tanta dor... :(

Anónimo disse...

Que delicia meu amigo! Hoje estava destinado ler esta tua dor. Quando me ligaste cedo, como sempre fazes, inacreditavelmente estava a ler o teu Blog, coincidência das coincidências.
Está maravilhoso ! Adorei !
Quando existe Amor existe Dor.
Um Beijinho
Tunana

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