segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Cena # 1618 - A (outra) Tróia Que Nos Une.

 
A Tróia do Tio Valente, meu avô.,
O barco atracava numa ponte mal amanhada que a preia-mar cobria: saía o teu bisavô Valentim, meu padastro, agarrado à melancia e ao garrafão,
E o café, das velhas, o melhor do mundo, que comprava no Mendes,

No areal, além dos estendais, havia meia dúzia de casebres de colmo, mais casa do que as barracas dos pescadores, na Caldeira.,
Os barcos a vapor sulcavam o rio, os galeões do sal subiam-no,

Corríamos, do Círio e da cobra: nunca acreditei na história!,
Ratávamos camarinhas e, à noite, rebuçados de musgo, era fresco,
- Toma, vais ver o que é bom para a tosse!


A Tróia do meu Tio Agostinho.,
O barco do Albino largava-nos frente às casas da Guarda,
- Para os filhos daquela,
A malta corria para os baloiços e o Tio Valente armava a barraca: uma tenda de lençóis, esticadas de giestas e pinheiros; ao centro, na mesa improvisada, pousava o tacho com arroz de tomate, a cantar com o peixe no cu da galinha, ou o coelho frito, a maior parte das vezes com ele no mato,
Enterrávamos a Sagres à borda-d'água, escavávamos a água doce, à profundidade de um homem: servia a panela e, no balde, o duche da tarde com sabão macaco,

A cobra por lá continuou, a pedido de várias famílias: não nos aventurávamos além da Ponta do Adoxe!,
Pontapeávamos a bola e as canelas (o cabo de mar, de fita métrica, demorava-se mais no tamanho da coisa) e, ondejados nas câmaras de ar, trincávamos a maçã riscadinha dos Barris, molhada na água salgada...

Nos anos cinquenta, as senhoras banhavam-se vestidas, as outras, mais in: também cobertas, exibiam óculos-borboleta, todas diferentes,
Todos iguais: ao entardecer, tudo convergia para as filhoses da Tia Beatriz!, seria a fome,
- Melhores do que as do Chico Padreca...

No Sado, bêbados na nortada, mareavam lugres e laitaus; havia baleeiras e fábrica.
À noite, paus e pinhas e eis a fogueira, e o berbigão e a ostra abertas na chapa!


A minha Tróia.,
Lembro-me bem,
De correr para o Mira Sado, junto à Asa do Avião,
Da bola de Nivea, ponto de encontro, dos amores de verão e das dunas,

Da futebolada, além da Galé, os com contra os sem calções: palavra, se tinha equipa não sei, árbitro não era, só me recordo de correr para o mergulho para descolar a fina areia das nalgas,

Espanholas na Páscoa, suecas a gosto e julho, o bando entrava na Rosamar à caça de passarinha,
O Cem-à-hora esfregava as mãos, preparado para tudo,
- Venho para o que der e vier...

Entrava a cem e saía a duzentos,
Melhor: para o que vier e der!






 



1 comentários :

Baluarte disse...

Muito bem retratado, a Tróia de outros tempos, revi- me "na minha Tróia" só falta a escadas em caracol para a Disco do rosamar onde abundavam as ditas Nórdicas

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